sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

um urubu pousou na minha sorte

A mãe andava com ideias. Entre as brigas com o maridão e a depressão crônica causada pela permanente carência de sexo, ela pensava, ou, ao menos, tentava pensar. Se bem que, pensando melhor, tentar pensar é algo como tentar ter um cérebro. Ou se tem, ou não se tem.

Mas era fácil notar quando a velha maquinava. O semblante soturno ficava ainda mais soturno, a recitação de ditos populares dobrava, triplicava.

“Quem com ferro fere com ferro será ferido.”

O espectro cor de chumbo materializava-se nos quatro cantos da casa, sempre a vaticinar.

“Mais vale um pássaro na mão do que dois voando.”

O filho, embora pequeno, já vivera o bastante para saber que, daquela atitude, coisa boa não poderia advir.

“Filhos sois, pais sereis.”

A velha tornava-se ainda mais assustadora e o filho, ainda mais assustado.

“Os olhos são a janela da alma.”

E pronto. O moleque não conseguia esconder o que sentia. Os olhos cheios de medo criavam a vítima perfeita para a mente cheia de suspeita da velha.

Era questão de tempo.

E eis que, um dia, a garra cinzenta tomava-o pelo braço.

“Anda! Vamos ao doutor. Você precisa se tratar. Passarinho que come pedra sabe o cu que tem.”

Mulher de seu tempo, evoluída, muito esclarecida, primário quase completo, mente aberta, uma cabeça arejada.

O médico examinou o moleque.

“Você tem sentido alguma dor, algum entupimento, alguma congestão?”

“Não.”

Voltando-se para a mãe.

“Este menino não tem nada.”

“Como não tem nada, doutor? Ele é louco, louquinho da silva. Mija na cama, tenta mexer no xibiu das irmãs, xinga deus e o mundo. Completamente louco. Cobra que não anda não engole sapo.”

O médico então disse que sua especialidade era ouvido, nariz e garganta.

“Mas é que eu achei que, se o senhor já mexe com ouvido, nariz e garganta, podia logo aproveitar e dar uma olhada também nos miolos, que ficam aí, ó, do ladinho. Quando a carroça anda é que as melancias se ajeitam!”

O otorrinolaringologista achou que nem valia a pena responder, mas não resistiu e sugeriu à velha que procurasse um psiquiatra e marcasse uma consulta, para ela, não para o filho. O menino não sabia onde enfiar a cara, tamanha a vergonha.

“Vamos. Quanto mais alta a árvore, mais alto o tombo.” A velha agarrou o moleque pelo braço e saiu arrastando-o. Em casa, aplicou-lhe uma surra.