quarta-feira, 29 de junho de 2011

odeio ascendente

        Shopping center, época de natal, gente escorrendo pelo ladrão, fila até para pensar.

        Taí uma coisa que odeio quase tanto quanto ascendente: shopping center. Nem por isso fico livre de ambos: ascendentes e shopping centers. E, é óbvio, o que mais me ocorre, como a todo mundo, é encontrá-los juntos: ascendentes e shopping centers.

        Como sempre, entrei naquela bosta de lugar com a ideia fixa de sair. Comprar o que necessitava e cair fora, quanto antes. Comprei e me encaminhei para a saída mais próxima.

        Só que ainda havia um obstáculo entre mim e o mundo exterior: a fila do caixa do estacionamento. E, é óbvio, a fila não andava.

        “Daí, quando a gente foi fazer o check-in em Orlando, imagina só, ganhamos um upgrade! Classe executiva, menina! Ai, eu e o Fábio mandamos baixar todo o bar do avião! As crianças? Não, elas ficaram na econômica. Nossa, tudo de bom!”

        Curioso como o telefone celular tem um poder, digamos assim, magnético. Nós lá, parados no tempo, no tempo não digo, mas no espaço sim, à minha frente contei vinte e uma pessoas, para trás calculei mais umas vinte. Todos em silêncio ou reclamando da morosidade do caixa. E no meio da história, alheia a tudo, falando mais alto que todos, bem atrás de mim, aquela mulher e seu telefone.

        Tomara que ela esteja cuspindo caquinhos de dente e de telefone até hoje.

        E a fila parada, completamente parada. Enquanto eu me distraía concebendo formas de matar a dona do telefone, um sujeito gordinho, com cara de gerente, apareceu no caixa, a funcionária que estava atendendo cedeu-lhe seu lugar e ele começou a digitar uns códigos e a passar um cartão na registradora. As reclamações só faziam aumentar. Da minha parte, eu só buscava, sem sucesso algum, não prestar atenção em nada.

         “A gente finalmente deu pras crianças o cachorro que elas vinham pedindo tanto.”

        Pobre cão. Pobres crianças.

        “E o Fábio, ai, aquele, quando quer... Ele resolveu que, se ia ser um pastor belga, o cachorro tinha que vir de um canil da Bélgica. O bicho veio até com passaporte. Imagina!”

        Enquanto isso, no caixa, lá na frente, o gordinho com cara de gerente tinha conseguido fazer a máquina voltar a funcionar e também tinha aberto uma outra máquina, ao lado da que voltara a funcionar, para acelerar o atendimento.

        “Pois é, querida, troquei. Agora estou com um Santa Fé. É da Hyundai, sabe, top de linha.”

        Com dois caixas atendendo, rápido chegou a minha vez. Assim que paguei, percebi que minha urgência urgentíssima de sair dali tinha passado. Coloquei-me a uma certa distância dos caixas e fiquei observando a dona do celular pagando o estacionamento, o que, é evidente, foi feito da maneira mais espalhafatosa e ostensiva possível, com coisas caindo da bolsa e proferimento de exclamações de espanto (“Mas isto tinha que acontecer agora!”) e o prosseguimento da conversação ao celular.

        Um tapa, um mísero tapinha era tudo que eu queria dar. Não, a bem dizer, eu queria acertar um senhor tapa, um verdadeiro tapão, uma senhora duma bolacha naquele depósito de botox.

        A dona pagou o estacionamento e partiu em busca de seu carro. Ainda ao telefone, queixava-se de naquele shopping não ter valet-parking.

        Segui-a. O carro, como não podia deixar de ser, era um baita dum SUV.

        Enquanto ela abria a porta, aproximei-me furtivamente.

        Quem eu estava enganando? Era evidente que não seria só um tapa. Quem acredita quando o alcoólatra diz que vai tomar só uma dose, ou quando o jogador diz que vai jogar só uma partida?

        Claro que não foi só um tapa. Mas claro também que não foi aquela sova em regra. Não que faltasse vontade da minha parte, mas, depois do terceiro soco na cara, a dona desmaiou, desabou e caiu sentada, encostada a uma roda de seu carro. Não deu nem para eu matar a vontade.

        Fosse como fosse, era melhor eu me afastar rápido dali.

        Como toque final, peguei aquela porra de celular, decerto o último modelo de iphone, e enfiei-o na boca da perua do modo mais violento possível. Ela ficou lá, desacordada, feito um mendigo bêbado, a respiração pesada, a boca cheia de sangue e celular.

        Odeio ascendente.