sábado, 1 de janeiro de 2011

papai mamãe e bacorinho

Fascínio pelo suicídio. Viche, desde tanto. Grito de socorro, segundo supostos entendedores dos meandros da alma. Vá saber.

Depois de décadas, ainda a ânsia. De carinho. De aceitação. Ainda. De certo modo, ainda mais.

Aquele par de desorientados, sempre à deriva. Agora velhos. Como de hábito, tristes, comuns, apáticos.

Sempre assim. Desde sempre.

O filho lá, longe das vistas, entre modos e modos de morrer. Ao seu redor, chamas de culpa, torrentes de desejo. De hora em hora, uma bronha em prol da paz, a certeza de desgraças iminentes. O pobre cacetinho todo esfolado, quase fumegando.

“Você ainda vai se arrepender, seu moleque! Escuta o que estou te dizendo!”

“ É, escuta o que teu pai está te dizendo! Aqui se faz, aqui se paga!”

“Leproso! Leproso e cego! Cegueira da braba! É assim que você vai terminar!”

“É! Leproso e com cegueira braba! Leia Allan Kardec! Quem não aprende em casa vai aprender na escola da vida!”

“Sai desse banheiro, caralho!”

“É, caralho, sai desse banheiro! Quem com ferro fere com ferro será ferido!”

Na saída, invariavelmente, o acompanhamento de novas pragas, mais pés-d’ouvido, safanões, cascudões, pés na bunda. E o pai falando. E a mãe secundando.

“Será que não sabe fazer outra coisa na vida?”

Pescoção.

“É, não sabe fazer mais nada? Diga-me com quem andas que direi quem tu és”. Concordância verbal, dentre muitas outras coisas, não era, definitivamente, o forte dela.

Pé na bunda.

“Eu ainda mando tirar a porta desse banheiro!”

“É, a porta do banheiro! Quem não deve não teme!”

Nessa altura, já conseguira sair do alcance dos golpes.

“Poetinha de merda!”

Ao ouvir isso, a mãe desaba em gargalhadas.

“Poetinha... de merda! Boa essa, pai! Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura!”

E os dois, gargalhando convulsivamente. “Ai, pai, que eu acho que vou me borrar toda! Não deixe para amanhã o que pode fazer hoje!” “Ai, mãe, que eu acho que já me borrei! Punhetinha de...!” O riso atalhava as falas.

Normalmente corria para o quarto, fechava a porta, pegava a corda, já pronta, com o nó de correr. No quarto, providencialmente, havia um gancho bem forte chumbado no teto. Ante tal evidência, a mãe talvez sentenciasse: “O que não parece com o dono é roubado”, ou outra coisa ainda mais sem sentido.

A corda no gancho e ele na outra ponta da corda, abandonado ao próprio peso, as gargalhadas ecoando no corredor.

Não, ainda não seria daquela vez. Não sabia se por coragem, por covardia, por teimosia, só sabia que não. Apenas prosseguiria, com a garganta meio doída.