terça-feira, 15 de março de 2011

uma escuridão na luz

“Encare o mundo assim: o mal que se sofre hoje é o mal que se inflige amanhã.”

O pai olhava-o sério, enquanto ele se esforçava para não retribuir o olhar, buscava qualquer outro ponto de interesse nos arredores (nada o interessava ali, muito menos o pai, ele só ficava e fingia prestar atenção porque era coagido). Medo dos tapas, bem sabido que encarar genitor é infração com pena mínima de um tapa, na cara.

“Sempre tenha medo. Montes. Medo nunca é demais.” Outra pérola. “Meu deus do céu, que faço com estes olhos? Não encarar o velho, não encarar o velho, não encarar o velho.” Bom, ao menos ele estava seguindo à risca o conselho, naquele exato instante, estava a ponto de se cagar todo de medo.

Ele nem tinha lembrança de quando começara, sabia somente que o medo o acompanhava de longa data. E aumentava, aumentava muito com a proximidade do pai ou da mãe.

“O que você sente não é medo, é respeito.” Outra valiosa lição: o pânico infundido nos filhos pelos pais chama-se respeito e não tem relação alguma com sentimentos de terror, muito embora pareça claramente manifestação do mais puro terror.

Mas, como mencionado, o pai transmitia ao filho a regra de ouro da continuidade da espécie humana: o pai fode a vida do filho e o filho fode a vida do filho do filho.

Mas o filho não queria ter filhos. Absolutamente. Ele não queria que um dia uma criança o olhasse como ele olhava os próprios pais. Todo aquele respeito.

Então o filho pensou: “Será que não posso foder a vida de meus pais?”.

Ao menos uma parte da lição ele aprendeu: devemos foder a vida de alguém.

Nenhum comentário:

Postar um comentário