terça-feira, 1 de março de 2011

Que que eu faço, doutor?

Tédio total. Nada acontecia na vida da mulher esclarecida. Se bem que, para alguém como ela, até o tédio era uma conquista.

A vida no vai-não-vai, indicador enterrado no nariz, ficar assim era o maior terror daquela criatura, pois surgia o risco de ela começar a dialogar consigo e descobrir seu mundo interior, nada bonito.

Nas raias do desespero, buscando sofregamente qualquer fuga, aferrou-se com unhas e dentes ao primeiro, e único, toquinho de vela em que se acendeu uma chamazinha anêmica, nas amplidões de seu vazio mental.

De um pulo, ela chegou ao quarto da louquinha-espelho (uma das filhas, igualzinha à mâmi, só que do avesso; a outra filha, a bananinha, não participa desta história). Lá sempre havia motivo para surras.

Não deu outra, logo se ouviam berros, da velha e da filha, e pancadas, principalmente da cabeça da menina sendo marretada contra a parede.

Aquilo era legal, só que cansava rápido. Quinze minutos, era o máximo que ela conseguia fazer um espancamento durar. Depois, novamente o tédio, novamente a busca obstinada de uma distração.

Irrompeu no quarto do infibulado, seu filho, o único ser humano do sexo masculino que ela, a sádica mais frouxa do universo, conseguia subjugar.

“Anda, seu filha da puta, vamos no doutor! Melhor prevenir que remediar.” Antes de terminar a fala, ela já estava segurando o menino por uma orelha e o arrastando para a rua.

Foram a um urologista. No consultório, ela já foi entrando, arriando as calças do garoto e mandando-o ficar parado, de pé, no meio da sala.

“Olha aí, doutor! Vê só se isso é pinto que se apresente! Em rio que tem piranha, jacaré nada de costas.”

E o moleque lá, no meio da sala, calça arriada, tudo à mostra. De que adiantava morrer de vergonha?

O médico tentou argumentar, tratava-se de uma criança, ainda teria muito que crescer, não havia nada de anormal ali.

“Mas como que não? Doutor, se esse menino me fica com uma piroquinha do tamanho dum feijãozinho no lugar dum bráulio de respeito, dum baita dum cacetão fudedor, que que vai acontecer? Vai acabar virando a mãozinha, vira flor, frutinha, bichona, viadinho, viadão, perobão-bão-bão! Vai sair por aí me dando essa porra desse cu pra quem quiser e não quiser! Por tudo que é mais sagrado, doutor, me dá um jeito nisso! Em tempo de guerra, qualquer buraco é trincheira!”

Louco para ver aquela mulher fora de seu consultório, o médico receitou um remédio que não faria nem bem nem mal, muito pelo contrário. Cada vez que prescrevia aquela porcaria, ele ganhava pontos no programa de prêmios do laboratório fabricante.

“Ferro que não se usa, a ferrugem o gasta.”

E lá se foi a mulher esclarecida, arrastando o menino, sem nem lhe dar tempo de abotoar as calças.