quarta-feira, 7 de agosto de 2013

viva o verde
         Vamos agora falar um pouco de um sujeito sabido como poucos. Sempre gosto de lembrar dele, pois vê-lo viver, ou não viver, nunca deixou de ser uma lição de vida, do avesso.
         Umas das facetas mais intrigantes da criatura consistia em seu abstruso relacionamento com — de que outro modo dizer? — o catarro. Sim, basta dizer que o camarada tinha uma doutrina, revelada apenas parcialmente, construída sobre o assunto, doutrina essa observada religiosamente.
         Sua crença profunda, eis a parte revelada do mistério, era de que catarro provocava retardamento mental. Várias vezes senti-me tentado a dizer-lhe que, especificamente no caso dele, isso nunca poderia acarretar-lhe mais problema, mas sempre acabava considerando de melhor aviso calar-me e admirar — só, silente e indene — o acerto de minha percepção.
         O sujeito era um fungador compulsivo, vivia de aspirador ligado, puxando pras caixas o que houvesse naquelas fossas. E todos sabemos o que há lá, não se trata propriamente de um manancial de leite e mel.
         E então era isto, o neandertal puxava a verdolenga pasta todinha. Porém, filosoficamente convicto de não poder engoli-la, porque seria um crime privar o Universo daquele exuberante colosso intelectual, fazia o óbvio, singelamente acomodava o volume nos recônditos de sua cavidade bucal, e, em vez de cuspir o troço o quanto antes, como o comum dos mortais, mantinha-o lá, entra ano, sai ano.
         O pretexto para aquela repulsiva degustação de fluido corporal era a inexistência de ponto adequado para expelir a gosma. E vai daí que ele sempre ficava com a coisa lá, a dançar com a língua, a servir-lhe de chiclete, sendo capaz de inventar desculpa para não se desfazer do bagulho mesmo que passasse ao lado de uma escarradeira nova e vazia.

         E ele grunhia, e ele guinchava, e ele gritava e atirava bosta em todos que se aproximavam das barras da jaula, mas tudo era feito sem nunca, jamais se desfazer de seu querido catarro.

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