viva o verde
Vamos
agora falar um pouco de um sujeito sabido como poucos. Sempre gosto de lembrar
dele, pois vê-lo viver, ou não viver, nunca deixou de ser uma lição de vida, do
avesso.
Umas
das facetas mais intrigantes da criatura consistia em seu abstruso
relacionamento com — de que outro modo dizer? — o catarro. Sim, basta dizer que
o camarada tinha uma doutrina, revelada apenas parcialmente, construída sobre o
assunto, doutrina essa observada religiosamente.
Sua
crença profunda, eis a parte revelada do mistério, era de que catarro provocava
retardamento mental. Várias vezes senti-me tentado a dizer-lhe que,
especificamente no caso dele, isso nunca poderia acarretar-lhe mais problema, mas
sempre acabava considerando de melhor aviso calar-me e admirar — só, silente e
indene — o acerto de minha percepção.
O
sujeito era um fungador compulsivo, vivia de aspirador ligado, puxando pras
caixas o que houvesse naquelas fossas. E todos sabemos o que há lá, não se
trata propriamente de um manancial de leite e mel.
E
então era isto, o neandertal puxava a verdolenga pasta todinha. Porém,
filosoficamente convicto de não poder engoli-la, porque seria um crime privar o
Universo daquele exuberante colosso intelectual, fazia o óbvio, singelamente
acomodava o volume nos recônditos de sua cavidade bucal, e, em vez de
cuspir o troço o quanto antes, como o comum dos mortais, mantinha-o lá, entra ano, sai
ano.
O
pretexto para aquela repulsiva degustação de fluido corporal era a inexistência
de ponto adequado para expelir a gosma. E vai daí que ele sempre ficava com a
coisa lá, a dançar com a língua, a servir-lhe de chiclete, sendo capaz de
inventar desculpa para não se desfazer do bagulho mesmo que passasse ao lado de
uma escarradeira nova e vazia.
E
ele grunhia, e ele guinchava, e ele gritava e atirava bosta em todos que se
aproximavam das barras da jaula, mas tudo era feito sem nunca, jamais se desfazer de seu querido catarro.
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