PAPO C
avec M. Clochard
Hoje
vamos conversar sobre esse ente tão fabuloso e, ao mesmo tempo, tão do nosso dia
a dia: o automóvel.
Muito
provável que o estimado leitor conte entre aqueles que recentemente ingressaram
na massa de consumo nacional. A economia cresceu, a necessidade de mão de obra
aumentou, bem como a remuneração média. Vai daí que, lá um belo dia, o distinto
se viu alçado a nova e mais rendosa designação em seu emprego. Subgerente da
loja de conveniência, chefe de pista no posto de gasolina, supervisor dos
caixas no supermercado, qualquer que seja seu novo posto, estou certo de que,
junto com ele, também veio uma nova e maior remuneração.
E
foi assim que, de um modo quase mágico, descortinou-se diante de seus olhos um
novo mundo, feito de fontes de leite e mel, alamedas recamadas de pedras
preciosas e céus sempre a ostentar ofuscantes arco-íris, um mundo maravilhoso,
onde tudo pode ser seu, mediante financiamento.
E
então o prezado se vê numa situação inteiramente nova, ou mais que nova,
inusitada. Converte-se num distribuidor de dádivas. Um novo G-Shock para sua
digníssima pessoa, um Xbox pro Wanderkélson, um aparelho pros dentes da
Roneywalldez, um par de Asics pro Altubancyr.
Tudo
isso, porém, é café pequeno, fichinha, mero preparativo diante do que está por
vir. E que um dia vem.
E
eis que enfim chega o dia, aquele momento sem par, quando finalmente são
transpostos os portais de uma revenda para de lá se sair a bordo do primeiro e
tão longamente sonhado automóvel.
Agora
é hora de desocupar a garagem daquelas tralhas que pareciam ter adquirido
direito vitalício de permanência no lugar: o sofá de três pés, a geladeira
queimada, a caixa de brinquedos quebrados, o fogão que se esbodegou todo quando
a panela de pressão explodiu. Manda tudo pra laje que agora tem carro nessa
casa.
E
lá está ele. Admire-o, daqui a cinco anos será todo seu. E não terá custado nem
o triplo do preço à vista. Está na hora de pregar um adesivo “Presente de Deus”
no vidro traseiro e ir para a rua barbarizar.
Entretanto,
antes que o meu prezado incorpore definitivamente seu novo rodante à pletórica
miríade de engenhos poluidores da atmosfera conhecida como frota urbana, convém
repassar umas regrinhas básicas de bom convívio:
1-
A faixa da esquerda deve ser reservada para
ultrapassagens. Não acredite em mim, acredite no código de trânsito, se o bom
senso não lhe bastar. Está lá, no livrão: em pista com mais de uma faixa de
tráfego num mesmo sentido, a faixa mais à esquerda deve ser reservada para
ultrapassagens. Ou seja, o motorista vai para a faixa da esquerda, ultrapassa
e, assim que concluída a ultrapassagem, volta a ocupar a faixa da direita. Não
vá na conversa do Cremildo da van, para quem qualquer espaço em que caiba a
Besta é pista, os outros que abram caminho. Também não beba nos mananciais de
sabedoria de dona Cotinha, sua venerável vizinha, viúva do tenente PM
aposentado, que acha que, se alguém está na velocidade máxima permitida na
pista, deve sempre permanecer à esquerda. Por mais que a boa senhora diga que,
agindo assim, “a gente istemos no nosso direito legítimus, meu filho”, a
verdade é que a gente não istemos não. Repito, confiram a legislação de
trânsito, caso não confiem em mim;
2-
O mundo para fora da janela aberta de seu carro
não é uma infinita lixeira destampada. A fralda suja do Kélvyson, a latinha
vazia de Schin, as embalagens de salgadinho isopor e qualquer outra matéria sem
mais serventia devem ser mantidas dentro do automóvel até que se chegue a local
em que haja uma lixeira de verdade para recebê-las. Carregue uma sacola ou algo
similar dentro do carro para guardar seu lixo e jogá-lo fora depois, garanto
que não é de mau tom;
3-
Automóvel é meio de transporte, não fonte de
ruído. Deixe seu bagageiro para as bagagens, não o encha de alto-falantes para
estourar os tímpanos da galera do piscinão. Meu saco agradece;
4-
Se o distinto não sabe conduzir sóbrio, o que o
faz pensar que com álcool sua já escassa perícia será aprimorada?
Por
hoje é só, caríssimos. Poderíamos discorrer sobre outros tópicos que, de uma
forma ou de outra, dizem respeito a sua relação com seu veículo, como o porquê de se empenhar tamanha parcela da renda familiar, presente e futura, num meio de
transporte e necas de pitibiribas na melhora de sua instrução, quando nada para
se tornar capaz de ler legenda de filme estrangeiro. Mas isso é assunto para
outro encontro .
Mes meilleures salutations.
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