Escritor no sofá, prancheta com poucas folhas, caneta na mão, calor, certa umidade, calor, moscas, calor, mosquitos, calor, mutucas, calor, muito calor e mais calor. Nunca vou conseguir pensar com esta porra de clima, pensava o escritor.
Nunca se dizia escritor. Se um sujeito parasse na frente dele e dissesse sou escritor, ele riria, riria pra valer da cara do infeliz, ainda que só por dentro. Ria de si mesmo quando se pensava escritor e isso já era riso suficiente para humilhá-lo. Podia passar sem zombarias alheias, nunca se dizia escritor.
Ainda que fosse escritor, escrevia tão pouco e, do pouco que escrevia, tão pouco ao menos chegava perto de prestar. Se se dissesse escritor, estaria se expondo não só ao ridículo de soar pretensioso, como também ao de passar por mentiroso.
Pois então o escritor naquele calor filha da puta empenhava-se em fazer o que nunca fazia: escrever.
E aí do nada apareceu o porreteiro e, antes que se pudesse abrir a boca, sentou uma puta duma bordoada na cabeça do escritor, que nem mudou de posição, ficou lá, no sofá mesmo, o queixo encostado no peito de um modo estranho, o olhar quase tão morto quanto em vida, a testa rachada e sangrada; a caneta, uma bonita tinteiro com pouquíssimo uso, rolou da mão para o assento do sofá, a prancheta permaneceu onde estava, sua extremidade inferior presa entre a coxa e a tremenda pança do defunto.
O porreteiro então pegou os escritos do escritor e deles fez uma fogueira que bem pouco durou.
“Menos um.”
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